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  • Foto do escritorKaroline Pereira

RASGAR-SE

Atualizado: 24 de jan. de 2019

Comecei o dia daquele jeito. O mal humor era predominante. Poucas horas antes de ir trabalhar, entrei em uma reflexão sobre a psicoterapia, meu trabalho atual. Num determinado momento, me ouvi dizer “temos que nos rasgar o tempo todo” Essa frase ainda ecoa na minha mente e em todo meu ser.


Voltando do trabalho, a cabeça continuava a trabalhar, mergulhando cada vez mais na experiência do dia, agora, na minha própria experiência. Algumas coisas começaram a pular em minha mente, ressoando com a frase dita mais cedo. E tudo girava e girava, sem tomar forma ou sequer um mínimo de sentido para suavizar a tempestade que eu me encontrava.


Mais cedo, eu reclamava que a graduação não nos prepara para o que eu estava vivendo. E mesmo agora, continuo achando isso. A angústia, muitas vezes me tomava. A insegurança vai podando e tirando a possibilidade de se arriscar. Mas de alguma forma, algo maior impulsionava para continuar seguindo, mesmo na incerteza do caminho a frente, alguma coisa impedia-me de parar. Impede-me. E o que é mesmo? O que move? O que impulsiona?


Tudo misturado, girando como em um furacão. O caos se instalava em minha mente e me inquietava. Havia algo pronto para emergir! Mas de alguma forma, a tormenta impedia a clareza.


Foi quando fui tomada por algo! E parecia tão simples, algo que está tão presente, teoricamente (?), em minha vida. E as palavras “SITUAÇÕES EXTREMAS” pularam em minha mente! De repente, algo se encaixou e pude enxergar melhor no meio de tanta confusão.

Comecei a vasculhar minha mente, a procura de um termo um dia escutado (muito provavelmente, mais de 10 vezes). Tinha uma relação muito forte com o que eu havia dito mais cedo neste dia. Rasgar-se… Rasgar-se… Busquei incessantemente. E não consegui encontrar, mas sabia onde buscar.

“[…] é na ruptura com o que é familiar que deve alicerçar-se a atenção psicológica” (VASCONCELOS, 2015).

Algo se iluminou. A visão turva de meu caminho começou a ganhar formas e espaços. E fui tomada por algo que ainda não sei nomear. Mas, de alguma forma, isso acalmou meu espírito. Encontrei o que eu precisava.


Agora, fiquei pensando em tudo que já ouvi sobre os extremos, sobre a atuação em situações extremas. E, atrevidamente, me permito utilizar esse termo para o que estou experienciando nesses últimos dias.


Muitas vezes penso no risco que corro. No risco de me deparar com minha escuridão, com minha dor e sofrimento. Ali, estou exposta. Em risco. E quando tenho muito medo de mergulhar, alguma coisa não flui. E quando tenho coragem de me lançar nesse mundo desconhecido… Ah… Aí a coisa muda completamente. A sensação de entrar em mundo paralelo, de estar compreendendo coisas de uma forma completamente diferente do usual…


Estar diante do outro, às vezes, é extremo. Às vezes, me vejo no limite. Precisando romper com o que me é familiar, com o que me é confortável… Me permitir sentir a dor do outro requer coragem, porque não dá para ter completa certeza de quanto aquilo irá me afetar. Às vezes, parece que estamos muito bem com determinado assunto, mas de repente, você se pega abalado, querendo chorar e gritar por aí, mal sabendo o porquê afetou tanto, até afetar.


Então, me vejo numa constante flexibilização do que penso ser. Hoje sou isso, ou estou aquilo, mas amanhã, não sei como será. Não sei como vai ser a próxima sessão. É um constante inesperado. Temos a ilusão de que sabemos, mas não sabemos. Temos a ilusão de que conhecemos bem aquela pessoa, mas não conhecemos. Estamos sempre diante do incerto. E talvez, não haja o risco de integridade física, mas há o risco da integridade psicológica.


Fico aqui com minha reflexão… Em contextos extremos, como o termo apresentado por VASCONCELOS (2015), é importantíssimo o autocuidado, que muitas vezes é garantido por uma organização humanitária. Mas na clínica, não há uma organização cuidando de você e dizendo quando você deve descansar, comer ou até mesmo, ir ao banheiro. Lá, é você com você, o que é muito perigoso quando você não está muito atento a si mesmo. E esse, esse é um dos maiores riscos da clínica.


Posso não ter uma organização cuidando de mim, mas estou encontrando novas formas de autocuidado e me aceitando melhor as minhas próprias angústias. Isso é um dos maiores ganhos do meu trabalho, a oportunidade de me deparar com algo e ter que me reinventar (rasgar-me? Rs). Acima de tudo, estou aprendendo a cuidar melhor de mim, para ter condições de me lançar no extremo do encontro com o outro e ter coragem de enfrentar diversas formas de sofrer, tanto as minhas quanto as do outro.

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